Demorou um pouco, mas Hollywood finalmente reconheceu o talento de Frank Miller. Depois de duas experiências frustradas na indústria do cinema – os roteiros de Robocop 2 e 3 (o primeiro Robocop tinha muito da narrativa dos quadrinhos de Miller) que foram mutilados pelos executivos do estúdio – ele jurou que nunca mais trabalharia no ramo e em hipótese alguma permitiria a adaptação de suas obras mais pessoais.
Eis que Robert Rodriguez resolveu convencê-lo a mudar de idéia e, com uma filmagem teste que adaptou uma pequena história de Miller à perfeição, nasceu Sin City – A Cidade do Pecado (não deixe de ler a resenha do filme amanhã). Missão cumprida: Rodriguez não só convenceu Frank a deixá-lo adaptar três das graphic novels da série, como Miller acabou virando co-diretor. Ele finalmente alcançou o merecido destaque na indústria cinematográfica, destaque esse que ele já tinha nos quadrinhos há tempos. Mas como começou a história do homem, do mito, do tremendão Frank Miller?
Frank Miller nasceu em Maryland, EUA, em 27 de janeiro de 1957. Começou a desenhar histórias em quadrinhos ainda bem jovem e passou a colaborar em vários fanzines. Seus primeiros trabalhos profissionais foram publicados na revista Twilight Zone (versão em papel da série de TV Além da Imaginação) da extinta editora Gold Key.
Pouco depois, ele conseguiria seu primeiro trabalho na Marvel Comics, desenhando uma história do Dr. Samson (um personagem coadjuvante das histórias do Hulk). Trabalharia ainda em dois números da revista Peter Parker (você sabe quem é Peter Parker, né? Então leia a resenha do segundo filme do carinha), antes de cuidar das imagens de Daredevil (Demolidor em gringuês) a partir do número 158 na segunda metade dos anos 70.
Nessa época, o herói cego estava em declínio e sua revista estava prestes a ser cancelada, saindo em periodicidade bimestral (o último recurso utilizado pelas editoras antes da degola). Dez edições depois (na edição 168 caso você tenha problemas com matemática), Miller assumiria também os roteiros. Já no número 171, a revista volta a ser mensal.
Frank não só salvou o título do cancelamento como o tornou um dos mais elogiados da época. Até hoje sua fase no título do Demolidor é considerada uma das melhores da cronologia do Homem sem Medo. Para tanto, Miller apresentou novos personagens, como a assassina Elektra e os ninjas do Tentáculo, acentuou a rivalidade entre o Demolidor e o Rei do Crime, e apresentou um dos momentos mais chocantes dos quadrinhos de super-heróis: a violenta morte de Elektra pelas mãos do Mercenário (momento recriado naquele filme estrelado por Ben Affleck, de Menina dos Olhos e Colin Farrel, de Alexandre).
Toda a fase de Miller como roteirista e desenhista do título foi recentemente publicada no Brasil em encadernados no formato americano pela Panini, em Os Maiores Clássicos do Demolidor: Frank Miller Vols. 1 a 4.
Frankão também desenhou a minissérie do Wolverine. Aquela em que ele vai para o Japão atrás de sua amada Mariko, sabe? Esta história teve roteiro de Chris Claremont e foi republicada pela Panini em apenas uma edição com o título Wolverine – Dívida de Honra.
No início de 1983, ele se transferiria para a rival DC Comics, por onde lançou Ronin, uma série que misturava samurais com ficção científica. Miller nunca escondeu sua admiração por elementos da cultura japonesa e os próprios mangás. Assim, essa série é uma homenagem mais aberta a essas influências. Ronin foi republicada há pouco tempo em três edições pela editora Ópera Gráfica.
Em 1985, o mestre retornaria à Marvel e ao personagem que o consagrou para contar aquela que é, tranqüilamente, a melhor história do protetor da Cozinha do Inferno. A Queda de Murdock, desenhada por David Mazzuchelli, começa quando Karen Page, ex-secretária e ex-namorada de Matt, vende o segredo de sua identidade secreta por uma dose de heroína. A informação chega ao Rei do Crime (que uma dia também deve figurar aqui na seção Tremendões), que destrói todos os aspectos da vida pessoal do herói e, de quebra, lhe dá uma tremenda surra. Este arco, que nos EUA saiu no título mensal do herói, foi publicado pela última vez no Brasil pela editora Abril como uma minissérie.
No ano seguinte, Miller lançaria o trabalho que lhe conferiu o título de gênio dos quadrinhos. Batman – O Cavaleiro das Trevas recuperou o clima sombrio do personagem, inovou em técnicas narrativas e tornou-se presença fundamental em qualquer lista das melhores HQs de todos os tempos.
A minissérie em quatro edições já foi publicada por aqui três vezes pela Abril. Para se aprofundar no caótico universo do Batman cinqüentão leia a resenha da obra AQUI. Aproveite e saiba porque Batman é um tremendão AQUI.
Se Frank contou o futuro do morcegão, por que não contar o começo? Batman – Ano Um, como o próprio nome já diz, mostra o começo da vida de Bruce Wayne como o vigilante mascarado e o início da parceria entre ele e um jovem policial honesto chamado James Gordon. Novamente, Miller contou com a bela arte de David Mazzucchelli para ajudá-lo na tarefa de criar outro dos grandes clássicos da cronologia do Batman. Não à toa, muitos elementos desta HQ foram utilizados pelo roteirista David Goyer e pelo diretor Christopher Nolan no sensacional Batman Begins. Para quem não conhece a obra, nada tema, pois a Panini prometeu relançá-la ainda este ano.
No mesmo ano de O Cavaleiro das Trevas veio ainda Elektra Assassina, uma trama violenta e delirante, com a arte esquisitona de Bill Sienkiewicz. Na ocasião do lançamento do filme da ninja de vermelho, a Panini relançou o material em uma edição especial.
A partir dos anos 90, ele passaria a lançar pela Dark Horse Comics todas as suas obras mais autorais, como as séries Hard Boiled (com desenhos de Geoff Darrow, lançada aqui em volume único pela Pandora Books), Liberdade (com arte de Dave Gibbons e lançada aqui pela Globo) e Martha Washington vai à Guerra (também com Gibbons e, infelizmente, inédita por aqui, embora já tenha sido prometida pela Abril), mas isso não significa que ele deixou de aceitar convites das grandes editoras.
Entre 1993 e 1994, Miller recontou a origem do Demolidor, incluindo em sua gênese os elementos criados por ele em sua passagem pelo título nos anos 80. Demolidor – O Homem Sem Medo, foi desenhado por John Romita Jr. E saiu em 5 edições (também teve edição brasileira há muito tempo).
Nessa mesma época, a Image Comics dominava as atenções e Spawn era o super-herói mais quente do momento. Todd McFarlane, o desenhista superstar criador do Soldado do Inferno, convidou Frank para roteirizar o encontro do feioso com o Batman, que seria desenhado pelo próprio Todd. Meu chapa, Spawn/Batman não é apenas a maior porcaria que Frank Miller realizara até então, é uma das piores HQs de todos os tempos. Melhor esquecer que essa edição existe.
O rapaz exorcizou seu trauma com os roteiros dos filmes do Robocop escrevendo o encontro do policial do futuro com o Exterminador do Futuro, em Robocop Versus Exterminador do Futuro, minissérie em 4 partes com arte de Walt Simonson, lançada em terras tupiniquins pela Abril.
Outro projeto bem interessante foi Os 300 de Esparta, baseado num episódio real da história grega, a batalha do Desfiladeiro das Termópilas, onde um destacamento de apenas 300 soldados espartanos tentou conter uma invasão persa. A série se destaca pela economia no texto (novamente uma influência dos mangas), o que torna a narrativa visual de Miller ainda mais forte, e pelo belo trabalho de colorização de Lynn Varley, esposa de Miller e parceira de trabalho de longa data. A série em 5 edições saiu aqui pela Abril e já está anunciada sua adaptação para o cinema. Parece que Frank perdeu o medo de Hollywood de uma vez. Melhor para nós.
Voltando um pouco no tempo, em 1991 Miller começou a publicar pela Dark Horse seu projeto de estimação, Sin City. Trata-se de uma série de álbuns com histórias fechadas que se passam na violenta Basin City, uma grande homenagem aos filmes noir. A cidade é habitada por policiais corruptos, prostitutas, damas fatais, justiceiros e matadores de aluguel. Cada história é centrada em um personagem e as histórias apresentam pequenas ligações entre si. Destaque para a arte em preto-e-branco de Miller, que alcançou seu auge nessa série.
Em terras nacionais, os álbuns de Sin City sempre chegaram com atrasos gigantescos e pouco alarde. Aproveitando o lançamento do filme, a Devir está republicando todo o material em ordem cronológica.
Em 2001, Frank Miller fez o anúncio que muitos fãs esperavam desde o final dos anos 80. Ele estava trabalhando na continuação de O Cavaleiro das Trevas. Para a surpresa de crítica e fãs, O Cavaleiro das Trevas 2 se revelou uma tranqueira ainda pior que Spawn/Batman. Ninguém esperava um trabalho tão ruim. A trama não faz jus à história original e há uma infinidade de personagens (quase todos ridículos) que jogam o morcego no posto de coadjuvante em sua própria série. Se o roteiro é sofrível, a arte não fica atrás. Miller caricaturizou demais seu traço, se aproximando do grotesco e Varley (que havia feito um trabalho belíssimo na série original) coloriu tanto os personagens que ficou parecendo um desfile de carnaval.
Bem, para quem quiser se arriscar a ler isto, a Abril lançou a minissérie em 3 edições em 2002, com pouca diferença de tempo em relação às edições estadunidenses. Se existe um deus das artes, O Cavaleiro das Trevas 2 dificilmente vai ganhar uma republicação.
Após esse fiasco, Miller ficou meio na surdina até seu retorno triunfal ao lado de Robert Rodriguez na direção de Sin City – A Cidade do Pecado. Nos quadrinhos, atualmente ele está trabalhando com Jim Lee em All-Star Batman & Robin, do novo selo All-Stars da DC Comics que, apesar de negar veementemente, tem todo o jeito de ser a resposta da editora à linha Ultimate da Marvel. A primeira edição saiu em junho nos EUA, então só poderemos conferir esse material aqui lá pelo ano que vem. Enquanto a gente espera pelo lançamento tupiniquim, o delfonauta mais esperto vai conferindo algumas matérias delfianas que fizemos sobre o Ultimate Marvel.. Clique AQUI para ler a resenha do primeiro arco do Homem-Aranha Ultimate e AQUI para conferir a primeira impressão que tivemos do Venom Ultimate.
Já que falamos no em ano que vem, prepare-se para mais Frank Miller no cinema. Isso mesmo, Sin City 2 já está em fase de pré-produção e pasmem, Sin City 3 já está anunciado para o ano seguinte. Vamos torcer para manter a mesma qualidade do primeiro.
Bem, espero que com este pequeno guia com algumas obras essenciais de Frank Miller – e também com alguns trabalhos bem ruins, afinal, não se vive só de glórias – o amigo delfonauta concorde que o mestre Miller merece um lugar dentre os tremendões do DELFOS e, se porventura não conhece o trabalho do sujeito, que estas humildes linhas sirvam de referência para se conhecer um pouco de sua carreira e ir atrás de seus melhores trabalhos.
Momento mais tremendão: difícil escolher dentre tantas obras excelentes, mas acredito que o trabalho que melhor apresenta toda a genialidade de Miller é Batman – O Cavaleiro das Trevas.
Momento mais vergonhoso: por outro lado, Batman – O Cavaleiro das Trevas 2 é tão ruim que nem deveríamos ter gastado tanto espaço neste texto falando dele.